sábado, 21 de novembro de 2009

Lagoa do Bonfim


Lagoa do Bonfim - Nísia Floresta (RN)

À visão da lagoa quieta
uma paz de superfície desabrocha
que a lagoa repousa,
profunda.
As águas conservando
nas entranhas um último segredo
de afogados,

prematuros desesperos
de afogados,
silenciosas tragédias
de afogados.

Tardias horas:
o repouso da lagoa se embrutece
e as maretas conversam,

e as andanças dos ventos da lagoa
decifram pensamentos e segredos
de afogados.

Falanges de fantasmas suicidas
dispersam o súbito murmúrio da lagoa
que é o seu próprio mistério.

Novamente a tranqüila,
novamente a transparente face da lagoa
se mostra:
e dos mortos aquáticos
o segredo permanece
puro.

Zila Mamede


Zila Mamede (1928-1985): Poeta potiguar cuja obra se destaca pelas imagens ligadas às águas: mares, rios e lagos inundam a sua poesia. Irônica e misteriosamente, morreu afogada aos 57 anos de idade, enquanto nadava no Rio Potengi.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

I Prêmio de Poesia Popular João Sapateiro

O primeiro (e por enquanto único) prêmio literário que conquistei leva, merecidamente, o nome de um dos maiores poetas populares de Sergipe: João Silva Franco, mais conhecido como João Sapateiro. João adquiriu esse nome devido à atividade de sapateiro, profissão que desempenhou durante muito tempo. O poeta nasceu e viveu boa parte da juventude na cidade de Riachuelo. Na adolescência, teve rápida passagem por Aracaju, mudando-se, logo depois, para o município de Laranjeiras. Antes de ser sapateiro, trabalhou em engenho de açúcar na infância e virou engraxate em sua passagem por Aracaju. Mas foi o município de Laranjeiras que o acolheu até a data de sua morte, com quase 90 anos da idade, no dia 9 de setembro de 2008. Abaixo, o poema, com o qual conquistei o segundo lugar: um martelo agalopado de tom claramente metalinguístico que exalta a beleza e a dificuldade desse gênero de poesia popular, a "pedra no sapato" dos fracos repentistas.

Martelando na peleja

Segundo lugar no Prêmio de Poesia Popular João Sapateiro

Cantador nordestino, num martelo,
sobre assunto qualquer faz improviso.
Para tudo que existe, se preciso,
cria sempre algum verso tão belo.
Quando empunha a viola num duelo
contra algum oponente não fraqueja.
O seu canto é cutelo que verseja
desferindo o cruel mote amolado.
Cantador de martelo agalopado
martelando oponentes na peleja.

Um martelo bem feito é mais que prece
na viola afinada do repente.
Se ajoelha depressa o oponente
quando escuta o martelo que merece,
tão potente que, às vezes, se parece
com trovão no sertão quando troveja,
com serpente no chão quando rasteja,
ou bezerro no berro malcriado.
Cantador de martelo agalopado
martelando oponentes na peleja.

Cantador nordestino noite afora,
carregando a viola, não tem medo,
caminhando sozinho no lajedo,
se brincar, faz tremer até caipora.
Nego d'água até mesmo se descora
quando escuta a cantiga sertaneja
e o saci, assustado, saculeja
com a força do seu palavreado.
Cantador de martelo agalopado
martelando oponentes na peleja.

Se a palavra sozinha é perigosa,
mais cortante que lâmina afiada,
imagine a palavra recitada
num martelo certeiro em mote e glosa.
Some a isso a garganta poderosa,
que em duelo nem mesmo pestaneja,
pois duelo é somente o que deseja,
e teremos, portanto, um arretado
cantador de martelo agalopado
martelando oponentes na peleja.

Wedmo Mangueira

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Aniversário do Rio Sergipe

Hoje, 3 de novembro, é o aniversário de um dos nossos rios mais importantes, tanto que leva o nome do Estado: o Rio Sergipe. A data me vem à cabeça, não porque tenha uma boa memória, muito menos uma agenda, mas porque me sinto envolvido com ela de alguma forma. Refiro-me à música, em homenagem ao Rio Sergipe, que fiz com meu parceiro Heitor Mendonça a pedido de Osmário, jornalista que encampa uma campanha em prol da revitalização desse rio. Paisagem híbrida, a um só tempo bonita e imunda, cenário de alegrias e tristezas, decidimos que a música deveria retratar essa ambigüidade latente do rio, por isso, com ajuda de Heitor, construí a letra em cima de algumas ambigüidades, entre elas, a que se verifica entre uma conjugação do verbo “rir” e o substantivo “rio”. Heitor, para completar a obra, acrescentou à letra uma música serena, que sugere uma sensação de fluxo contínuo, uma idéia de correnteza. Abaixo segue o vídeo da canção, interpretada por Heitor Mendonça e pelo maestro Muskito, que abriam o show de Renato Teixeira.




Rio para não chorar

Rio do menino que brinca,
rio da menina que chora,
do homem que virou peixe,
rio daquela senhora

que passa a vida a esperar
a volta de um pescador
que se encantou com o mar
e nunca mais retornou.

Rio das águas serenas,
leva suas penas
pra outro lugar.

Rio das águas serenas,
leva suas penas
pro meio do mar.

Rio da poluição
que manchou toda a paisagem.
Quem dera a devastação
fosse somente miragem.

Rio, tu que foste tão forte,
hoje vive a agonizar,
rio em seu leito de morte,
rio para não chorar.

(Heitor Mendonça e Wedmo Mangueira)