segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Um poema de Ezio Déda

Conheço Deus no esquecimento de minha casa
Ele descansa das súplicas cotidianas
Nas oscilações acústicas de minha insensatez
E sonha com o dia em que eu não precise mais estar ausente para que possa chegar
Somos duas naturezas estranhas que se sabem pelo que não se dizem
Ele, o ar intenso das atmosferas celestiais e do mundo sem fôlego
Eu, o elemento que peregrina insano nos calcanhares da criação.


Ezio Déda


Natural da cidade de Simão Dias-SE, Ezio Déda é arquiteto e escritor. Tem dois livros de poemas publicados:"Árvore de folhas caducas", de 2001, e "A casa das ausências", de 2010. Este último, do qual o poema acima faz parte, foi lançado pela Editora 7Letras.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Meta Linguística

Mesmo a meta sendo nobre,
fica registrada a dica:
se o poeta é feio e pobre,
pra que rima bela e rica?

Wedmo Mangueira - 2009

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Navegante

Mestre Sales da dança de São Gonçalo
Segundo lugar no III Prêmio de Poesia Popular João Sapateiro, que tinha por tema: "Personagens da cultura popular de Laranjeiras".

De uniforme e chapéu de navegante,
ele vem lá na curva do caminho,
no seu passo bem leve, bem mansinho,
conduzindo um a um cada brincante.
Quem seria, meu Deus, esse almirante
de humildade gigante e histórias mil?
Quem conhece, quem sabe, quem já viu
não se cansa jamais de admirá-lo.
Mestre Sales conduz o São Gonçalo
como um bom marinheiro, o seu navio.

À medida que avança a procissão,
os brincantes, batendo os calcanhares
e entoando os seus cantos pelos ares,
vão ganhando de todos a atenção.
Olha o Mestre fazendo a marcação
e brincando feliz no corrupio!
Quem o vê a dançar assim macio
é tomado de encanto pelo embalo.
Mestre Sales conduz o São Gonçalo
como um bom marinheiro, o seu navio.

Tantas são as barreiras que ele enfrenta,
mas o Mestre é valente e não se cansa
de levar adiante a sua herança
— essa dança, que, a custo, ele sustenta.
Desafia trovão, tufão, tormenta,
mas não cede seu barco ao mar bravio,
afinal é teimoso e arredio
feito o mar que insiste em devorá-lo.
Mestre Sales conduz o São Gonçalo
como um bom marinheiro, o seu navio.

O futuro, entretanto, é muito incerto
e perder sua herança o Mestre teme.
Busca, pois, incessante, para o leme
quem não tema enfrentar o mar aberto.
Algum dia descansará, por certo,
ao saber concluído o desafio,
pois herdou, divulgou e transmitiu
a cultura do povo com regalo.
Mestre Sales conduz o São Gonçalo
como um bom marinheiro, o seu navio.

Wedmo Mangueira - 2011

Link da matéria sobre a entrega da premiação:
http://www.laranjeiras.se.gov.br/ler.asp?id=273&titulo=noticias

sábado, 22 de outubro de 2011

Medusa


O que ela faz comigo
bem abaixo do umbigo,
no segredo do seu quarto,
justifica

que ela seja a minha musa,
uma espécie de Medusa
cuja língua, além do olhar,
petrifica.

Wedmo Mangueira - 2009

terça-feira, 19 de abril de 2011

Marítimo IV



De vida, de infinito ou de algo além?
Quando a boca diz "mar", que gosto tem?


Wedmo Mangueira

terça-feira, 12 de abril de 2011

Marítimo III


“Oh, rei do tempo e substância e símbolo do século, na Babilônia me quiseste perder num labirinto de bronze com muitas escadas, portas e muros; agora o poderoso achou por bem que te mostre o meu, onde não há escadas a subir, nem portas a forçar, nem cansativas galerias a percorrer, nem muros que te impeçam os passos.”

 Jorge Luis Borges.

O segredo das coisas todas
repousa sob o teu manto
 véu azul que cobre o abismo
e espelha o tom do firmamento.
Embora inumeráveis monstros
habitassem as tuas sendas,
quantos Teseus destemidos
decidiram por se lançar
à tua amplidão infinita
— o mais cruel dos labirintos,
que não impede a travessia,
mas a transforma em absurdo!

Wedmo Mangueira

quarta-feira, 30 de março de 2011

Marítimo II


“Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.”

Fernando pessoa

Um soneto que fosse como o mar:
estrutura de sal e ventania
cuja cor acompanha a luz do dia,
cujo humor acompanha a luz lunar. 

Um soneto que fosse como o mar:
tentador para aquele que o vigia,
mil perigos, contudo, propicia
ao incauto que o tenta atravessar.

Um soneto que fosse como o mar,
que ao erguer-se ante a rocha, sem cessar,
a desgasta e a transforma em areal.

Também possam meus versos, à maneira
do oceano, bater contra a pedreira
d'alma humana e tirar dela o seu sal.

Wedmo Mangueira

quarta-feira, 23 de março de 2011

Marítimo I

Ante o céu que se tinge de encarnado 
à medida que a luz do sol desmaia, 
para o mar, que se lança sobre a praia, 
lanço a luz de um olhar desconsolado. 

Um homem triste quedou-se ao meu lado... 
Os marulhos serenos da Atalaia 
devem ter - não sei bem - algo que atraia 
as pessoas de olhar atormentado. 

Ele, então, contemplando atentamente 
o oceano gigante à nossa frente, 
me falou no seu quase-sussurrar: 

“Todo aquele que tem o olhar aflito 
deveria mirar o infinito 
e sentir quão pequeno é seu penar.” 

Wedmo Mangueira - 27/11/2008 


Imagem: Ponta dos Mangues, por Thatiana Carvalho

Madrugada

- Alô?

- Saudades...

- ...

- Quem era, amor?

- Engano!

Wedmo Mangueira

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Naufrágio


Embora tenha nome de mulher,
corpo e cheiro de mulher
e os trejeitos e perigos
permitam supor que se trate de uma,
é mais que mulher...
É mar revolto, na verdade,
essa menina à minha frente.

Pudesse eu ser promontório,
avançaria seco ao seu encontro
e mergulharia em seus domínios,
apreendendo-lhe medos e mistérios.

Fosse-me vedado tocá-la,
contentar-me-ia em ser farol,
para, ao menos, contemplá-la à distância,
velando-lhe o sono,
protegendo-a de velhos marinheiros.

Contudo, ao fitar tanta beleza,
que mais posso querer ser,
senão nauta atrevido,
para poder passear por suas águas,
entregar-me a seus movimentos noturnos,
naufragar em meio aos seu recifes,
enroscar-me em seus sargaços
e amanhecer feliz e inerte em sua costa nua!

Wedmo Mangueira